"Se inteligente é se comunicar com pouca gente, isso é burro." (Entrevista com Ricardo Pipo - Parte 2)

Santiago Dellape: Os Melhores do Mundo são provavelmente o melhor exemplo de teatro comercial no país. E teatro comercial geralmente é colocado no extremo oposto ao teatro experimental, de pesquisa. Mas de certa forma, vocês também experimentaram um bocado pra criar o repertório do grupo, então queria que você falasse sobre como é que você enxerga o teatro dos Melhores do Mundo: ele tem um rótulo? Se tiver, o rótulo seria esse, “comercial”? Ou teria outro rótulo melhor?


Ricardo Pipo: Eu acho que a gente é a mistura de tudo. Tem gente que fala: "nossa, o humor de vocês é muito inteligente". Dá vontade de rir, mas eu seguro, falo "obrigado". O que é um humor inteligente, né? É um humor que é além do laço do público? Não, isso é burro! Sabe? Isso pra mim é burro. Se inteligente é se comunicar com pouca gente, isso é burro. O artista só chega ao sucesso se ele tiver empatia absoluta, se todo mundo entender o que ele tá falando. Então não acho que seja inteligente não, no sentido de elitista, elitista é o preço do ingresso. O teatro é elitista pra caralho. A gente sempre quis praticar o nosso preço de R$ 40 a R$ 60, esse seria o nosso preço único. Sessenta reais hoje, seria pra gente o ideal. Tem casas que não aceitam. Casas de show: "Não, nosso ingresso aqui parte de R$ 120." Como assim? E vai até R$ 250, trezentos reais, a gente acha muito escroto isso, mas tem gente que paga. E fica lotado. Então a casa tá fazendo a coisa certa comercialmente falando. Então nós temos também o apelo comercial. Então tem de tudo ali, entendeu? Eu acho que se a gente fizer a mesma peça num circo de lona vai funcionar. Mesma peça no Citibank Hall, Canecão, que é super elitista, também vai funcionar. Mesma peça! Então eu acho que a gente tem de tudo. 


SD: Os Melhores do Mundo já se tornaram uma marca que pudesse entrar numa das estrofes do hino nacional que vocês viralizaram em 2001*, tipo “Visa, Mastercad e  Os Melhores do Mundo”? 


RP: Não, não, não, acho que não. Nós não somos multinacionais ainda. Mas ó, em 2023 a gente vai fazer um rolê muito bacana. Vamos pra dois países africanos, dois extremos da África, e lá já estão sendo montadas nossas peças, que são em língua portuguesa. A gente tem muito esse rolê de apoiar os grupos que nos montam. Hoje no Brasil tem duas montagens de Hermanoteu acontecendo. As pessoas nos consultam, falam: "olha, vou montar a peça de vocês, queria saber…" Quando o cara fala que não vai cobrar ingresso, a gente dá tudo. A gente manda texto, figurino, trilha sonora, porque é uma honra, sabe? É um cover de teatro, eu nunca vi isso na minha vida. E de um grupo que ainda existe. Você entende a importância disso? Os caras podiam escolher qualquer coisa no mundo, escolheram a gente. Isso aconteceu na África em língua portuguesa, porra! Isso é grande pra caralho, né? [...] A gente tem muito a expectativa de entrar nesse hino sim. A gente que ir pra Argentina, formar um grupo lá, montar uma companhia, entregar todos os textos, deixar tudo funcionando e voltar. Dirigir, deixar tudo pronto e voltar. E fazer isso em vários lugares, em várias línguas. Esse é nosso mundo ideal projetado. Mas teatro é aquilo né, se já é difícil fazer aqui, no mercado argentino é difícil pra caralho. A galera já tem o trampo deles lá e não precisam de texto, Argentina é rica em texto, eles tem uma escola muito foda de roteiro pra cinema, pra teatro, mas a gente queria fazer isso. Esse rolê africano vai ser muito foda. Aí além da gente ir lá e se apresentar, a gente vai deixar com o grupo de lá, que seria tipo o Porta dos Fundos de lá, um grupo muito muito foda, e que adora a gente. É um negócio muito louco a internet. A internet que nos projetou, a gente foi pra Portugal graças à internet, fizemos Boston, Nova Iorque duas vezes, lotado, lotado. Muito louco isso, né? Internet é foda. Internet salvou a comédia no mundo! Deu um up assim pra tudo o que você imaginar. É o poder da comédia, né? Se as pessoas souberem que tá acontecendo, elas vão, elas vão. Todo mundo quer isso. 


* Hino Nacional (na versão do Presidente Vendido, do espetáculo Político, 2001)


Num posto da Ypiranga, às margens plácidas,

De um Volvo heroico Brahma retumbante

Skol da liberdade em Rider fulgido

Brilhou no Shell da Pátria nesse instante

Se o Knorr dessa igualdade

Conseguimos conquistar com braço Ford

Em teu Seiko, ó liberdade

Desafio nosso peito à Microsoft.

Ó Parmalat, Mastercard, Sharp, Sharp

Amil um sonho intenso, um rádio Philips

De amor e de Lufthansa a terra desce

Intel formoso céu risonho Olympicus

A imagem do Bradesco resplandece. 

Gillete pela própria natureza

És belo Escort impávido colosso

E o teu futuro espelha essa Grendene.

Cerpa gelada!!!!

Entre outras mil é Suvinil, Compaq amada

Do Philco deste Sollo és mãe Doril

Coca Cola, Bombril!!!


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