"Chulos, grotescos e politicamente incorretos. - Bárbara Heliodora". Essa é a frase do cartaz! (Entrevista com Ricardo Pipo - Parte 3)
Santiago Dellape: Como é tua relação e do grupo com a crítica, e quais críticas te marcaram ao longo da carreira? A da Bárbara Heliodora foi uma delas?
Ricardo Pipo: Sem dúvida nenhuma. Em Brasília, a gente foi muito paparicado. Quem escrevia na época eram pessoas que entendiam que se a nota máxima da turma era 6, isso valia 10. Entende? Porque era a nota máxima da turma. Existia um caderno de cultura, o cara tinha que escrever sobre isso. E quem é que estava trabalhando para o teatro fisicamente? Era a gente. O emprego do cara meio que dependia dele valorizar isso. Então a gente tinha o Sergio Maggio, Carlos Marcelo, Celso Araújo. [...] Jornalista de cultura tirava a bunda da cadeira, não ficava só recebendo release. A Bárbara Heliodora nessa época já era uma recebedora de release. E a galera deixava nos teatros do Rio de Janeiro uma foto dela proibindo a entrada dela. A gente falou assim: "É dela que a gente precisa." Era muito claro que ela roubava no joguinho. Porque nos espetáculos que usavam tradução da mãe dela [Anna Amelia de Queiroz Carneiro de Mendonça], Shakespeare, ela elogiava. Nos espetáculos que usavam a tradução do Millôr Fernandes, ela descia a lenha. Então o que a gente fez? Nessa época que todo mundo barrava a entrada dela, a gente foi até O Globo, lá na Avenida Brasil, maior rolê, chegava lá na redação: "Quero falar com a Bárbara Heliodora." Esperava pra entrar, aí entrava, ia até a mesa dela, falava: "Oi Bárbara, tudo bem? A gente veio trazer um convite pra você, uma camisa…" Ela ficava de cara, ela falava assim: "Mas por quê?" - "A gente quer que você assista, você entende muito disso, a gente quer saber o que a gente tá fazendo, sua opinião é importante pra gente." Por que, cara? Se ela falasse mal da gente, a gente se igualava a todas as peças do Rio de Janeiro. Se ela falasse bem, a gente entrava num esquema VIP [...] Aí ela foi assistir a primeira vez no Canecão, Notícias Populares. E ela não escreveu nada. A gente colecionava as críticas dela, que eram muito cruéis. E é maravilhoso, eu tenho algumas guardadas ainda. Teve a de um espetáculo que eu decorei a primeira frase da crítica dela, ipsi literis: "Ninguém em cena tem a mais remota noção do que um dia possa vir a ser interpretar." É genial pra caralho, a gente ria disso. [...] Ela sequer considerou teatro, ela não achou palavras tão cruéis o suficiente pra mandar a gente de volta pra Brasília – ou ela achou e o Arthur Xexéo [editor de O Globo] falou assim: "Não, calma Bárbara", ele barrou, entendeu? Tem isso também. Aí ela foi assistir Hermanoteu no Teatro Ipanema. Paulo Silvino [ator], foi assistir nesse dia. Aí ele foi no camarim depois e falou: "Vocês convidaram a Bárbara Heliodora? É uma velha filha de uma puta…" - "Qualé, Silvino?" Ele falou assim: "Eu vou falar uma coisa pra vocês: ela chegou batendo o carro na garagem." (risos) "Ela vai destruir vocês porque é uma velha filha de uma puta." A gente: "Silvino, por que isso?" Ele falou assim: "Eu fazia uma peça no teatro Villa Lobos chamada O Anjinho Bossa Nova. [...] E aí nós fizemos uma campanha pra eleger a Bárbara Heliodora diretora do teatro. Porque a censura tava batendo na gente, e se tivesse uma diretora de teatro do nosso lado… A gente elegeu a Bárbara. No dia que ela tomou posse do Teatro Villa Lobos, no discurso dela de posse ela falou assim: 'Estou assumindo aqui o teatro, é uma honra, e não teremos aqui novamente essas bobagens como O Anjinho Bossa Nova… É uma velha filha de uma puta!" A gente ria muito. Cara, ela não escreveu nada também. [Se corrige:] Não, ela viu Sexo, Hermanoteu e depois Notícias Populares. Sexo ela nem considerou teatro. Hermanoteu ela bateu o carro na garagem. Notícias Populares ela escreveu uma crítica genérica do que ela assistiu. Ela foi muito correta com a gente, muito correta. Ela falou assim: "Não gosto do recurso de vídeo, o que demonstra que não encontraram uma solução melhor para os figurinos." Ela bateu certo. Mas onde ela mais bateu na gente foi assim: "São chulos, grotescos e politicamente incorretos." Essa é a frase do cartaz! Todo o resto falava bem: "São atores experientes em cena. De fato eu não gosto, mas arrancam risadas da plateia, então funciona; o que eles estão vendendo, eles entregam." Entendeu? Ela foi super sincera. A pior frase dela foi a que a gente botou no cartaz: "Chulos, grotescos e politicamente incorretos. - Bárbara Heliodora". Aí a gente aprendeu que crítica se mede com a régua mesmo: pô, tivemos duas colunas, ótimo! Quando foi que você deixou de ver alguma coisa por causa da crítica? Jamais!
Comentários
Postar um comentário