"A gente não tem direção, quem dirige a gente é o caos." (Entrevista com Ricardo Pipo - Parte 4)

Santiago Dellape: O último espetáculo inédito de vocês foi América, de 2004, e lá se vão quase 20 anos. Vocês não sentem falta de renovar esse repertório ? 


Ricardo Pipo: A gente tem muita ideia pra peça nova. Uma que a gente gosta muito se chama Pilantropia, palavra que a gente inventou. E o assunto é muito vasto, né? [...] Como a gente tem muita liberdade nas montagens, a gente experimenta as cenas novas em peças que já existem, antes de fazer um espetáculo inédito. Então na verdade quem assiste hoje vai ver coisa nova, inédita. Tem cinco esquetes que a gente tá trabalhando hoje que são inéditas, não existe em peça nenhuma. A gente insere ali no meio de uma peça e testa com o público. A gente não tem direção né? O que é uma coisa muito louca. Quem dirige a gente é o caos. A Adriana tem muita noção disso. E de vez em quando, quando ela vê que tá muito ruim, ela interfere. Qualquer um pode fazer isso, mas a Adriana realmente tem uma noção espetacular nesse sentido. Ela fala assim: "Acho que nesse ponto você pode entrar menos, pode fazer mais, esse personagem pode crescer…" [...] Esse trabalho do Sérgio Maggio [o livro Rumo ao Planeta Gargalhada, um perfil biográfico da Cia. de Comédia Os Melhores do Mundo] foi um trabalho de pesquisa que a gente nunca tinha feito. Sérgio Maggio falou assim: "Eu parei de contar em 36 espetáculos." A gente: "Não, a gente não tem isso tudo!" Ele falou: "Tem." E ele mostrou pra gente que a gente fez 36 espetáculos. Desses, a gente se lembra de uns 20, doze a gente remontaria, seis a gente trabalha com frequência e três são os que os produtores pedem: Sexo, Hermanoteu e Notícias Populares. Então, fazer espetáculo novo a partir do zero… Veja, não faz sentido. É um esforço, demanda uma energia, demanda construir aquilo que você já tem construído. Ninguém chega pro Djavan e fala: "Pô Djavan, tá foda, não faz música nova há um tempão hein?" [É porque eu não sou amigo do Djavan] Teve um ano que a gente estreou dez espetáculos, dez! Criamos pra caralho. Aí chega um momento que você fala assim: a gente criou um patrimônio sem querer. 


SD: Como é que vocês avaliam se o público gostou ou não de uma cena, pelo silêncio?


RP: A gente tem o risômetro. Não existe peça nossa com um minuto sem piada. [A cada] Um minuto, você pode cronometrar, vai ter risada. "Ó, nessa parte aqui tem dois minutos sem risada, não pode ter." A gente bota piada no meio. Por mais que seja boba, forçada, por mais que seja "cu, peido, cocô", a gente não gosta, por mais que não seja uma coisa elaborada, não pode ter um minuto sem risada. [Mas vocês não gostam de piada de cocô?] Não. [Mas é o melhor tipo de piada que existe.] Por isso que chamam a gente de humor inteligente. Mas quem vê Hermanoteu, é piada de pinto, pinto, pinto, pinto. [...] Chega Cleópatra, eu falo para Isaque: "Ah, mulher governando, só se for o império do fogão." A gente tá falando de linguagem bíblica, como a Bíblia trata as mulheres. Tanto que no Notícias Populares, a gente usava uma piada que a gente chama de carrinho por trás. "Pô, por que vocês fizeram isso?!" Quando é muito gratuito, você ri. A cena do assalto: "Pleonasmo é subir pra cima, descer pra baixo, mulher burra, essas coisas." Essa era a piada. E a galera ria muito, porque era uma gratuidade: "Tô de boa, paguei ingresso e você me chama de burra." [...] Porque a piada não era essa. A piada era: "...mulher burra, essas coisas" - "Hahaha… Uuuuuu!" Vaiavam. Aí o Welder parava a peça, vinha pra frente e falava assim ó: "É sempre assim: ´Hahahaha… Não, não, não! Uuuuuuuuu' Chamava de burro de novo, entendeu? Mas antes dessa segunda [piada] acontecer, aquela começou a dar ruim. A gente falou: "Véi, não tem porque aborrecer a plateia, que tá pagando pra isso. Corta!" - "Pleonasmo o que é? Subir pra cima, descer pra baixo, casamento sem sexo, essas coisas." E não dói mudar isso. A gente chegou até aqui falando o que a plateia quer ouvir. Te falei, é empatia. Seria uma burrice você ficar batendo numa coisa que a plateia não quer ouvir.

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